Olá,
Enquanto a Apple apresentava as suas novidades e praticamente todo mundo pensava no quanto vai gastar comprando um Vision Pro, eu estava me perguntando como que eles lançam tanta coisa ao mesmo tempo. Talvez eu esteja pensando demais no trabalho, mas essa dúvida inspirou essa edição.
O tema da edição de hoje tem a primeira análise que fiz sobre liderança e gestão em outras empresas e que compartilho aqui na newsletter. Geralmente, leio sobre esses exemplos e tento aplicar no meu dia a dia sem necessariamente compartilhar. Mas, caso ache interessante, fico aberta para feedbacks e sugestões a respeito.
Boa leitura!
Abraço,
Ingrid Machado
Nesta edição
🎯 Tema da edição: Gestão e liderança na Apple
🪴 Organização pessoal: O custo da preguiça
🎯 Tema da edição: Gestão e liderança na Apple
Seção para falar sobre o tópico principal da edição.
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Assistindo aos anúncios da Apple no WWDC 2023, fiquei com uma dúvida: como a Apple gerencia o lançamento de tantos produtos e atualizações diferentes ao mesmo tempo? Sabendo dessa minha dúvida, o William resgatou um artigo da Harvard Business Review que ele já tinha me enviado e eu ainda não tinha lido. Neste texto, vou apresentar o que o artigo explica como sendo a forma de trabalhar da Apple e vou tentar traçar paralelos com a minha realidade como gestora.
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O artigo já abre explicando que no retorno do Steve Jobs ele trocou totalmente a estrutura da empresa. Inicialmente organizada em várias unidades de negócio, sendo cada uma responsável pelo seus próprios resultados, a empresa teve seus negócios unificados, tornando todos responsáveis pelos mesmos resultados. O primeiro modelo pode gerar uma certa concorrência, já que cada unidade pode acabar disputando recursos para elevar os seus próprios resultados. E o segundo modelo é mais colaborativo, já que todas as áreas precisam trabalhar em conjunto a favor de um objetivo unificado. Mas, apesar de parecer mais vantajoso, esse modelo também fica mais complexo conforme a empresa cresce.
A Microsoft passou por uma transição parecida. Mas a transformação de uma estrutura divisional para uma funcional não foi bem-vista pelos analistas na época. Provavelmente pelo momento em que foi feita. Enquanto a transformação da Apple aconteceu em 1997 em uma estrutura bem enxuta, a da Microsoft foi conduzida em 2013 com a empresa já formada por um número considerável de funcionários. Outra justificativa para a má impressão pode ser a motivação. Diversas reportagens apontam o clima de competição e o ambiente insalubre da Microsoft na época da mudança. Não sei se o mesmo acontecia com a Apple, mas mudar a estrutura organizacional não me parece ser a solução para um problema de cultura. A justificativa do Steve Jobs foi fomentar a inovação.
Voltando para a estrutura atual da Apple, ela foi pensada para ambientes muito dinâmicos. E, pela quantidade de lançamentos que a empresa apresenta, parece que a estrutura escolhida funciona muito bem. O artigo lista dois pontos principais para o sucesso da abordagem:
Quem tem a expertise técnica e a experiência necessária tem o poder de tomar decisões a respeito dos produtos da sua área
As metas são atingidas de forma global, ou seja, não existe reconhecimento a partir do resultado de uma área, mas sim do desempenho da Apple como um todo
Ou seja, ao deixar que as pessoas atuem com autonomia nas suas áreas e ao desenvolver produtos focados em trazer valor para o cliente, a Apple é recompensada com bons resultados financeiros.
Mas o histórico e a estrutura atual ainda não são o suficiente para que eu consiga responder a minha pergunta. Muitas empresas trabalham com a estrutura funcional e mesmo assim não conseguem manter o ritmo de inovação da Apple. Porém, o artigo apresenta três características que são esperadas em todos os níveis de liderança. E talvez aí esteja a resposta que eu quero.
Especialização
A Apple possui uma estrutura de gestão em que especialistas lideram especialistas. Isso é possível ao se fazer a transição de um especialista para a gestão. Assim, um gestor do time de hardware será alguém que também é especialista em hardware, por exemplo. Esse modelo foi o escolhido porque a Apple considera que é muito mais fácil transformar um especialista em um gestor do que fazer o caminho contrário.
Particularmente, concordo com a afirmação sobre a transição. Talvez por ter feito esse mesmo caminho, passando de engenheira de software para gerente de engenharia, eu sei que ter a experiência no trabalho que o time desempenha ajuda e muito. Quando preciso resolver um impedimento ou entender algum problema, a minha experiência prévia me permite entender o que está acontecendo e até onde posso ajudar.
A organização atual da Apple também aproxima as pessoas especialistas de várias áreas. Assim, elas compartilham os desafios e aprendizados e, ao mesmo tempo que evoluem uma funcionalidade, esse impacto é percebido em múltiplos produtos.
Ser especialista e não compartilhar conhecimento com outros times reduz o impacto que pode ser gerado. Os exemplos que ilustram a construção de um novo sistema de câmeras do iPhone mostra o quanto é importante que as informações fluam entre as áreas. Conhecimento silado não serve para nada e é possível perceber no dia a dia o quanto ter a informação acessível remove muitos impedimentos.
Imersão nos detalhes
O artigo cita o seguinte princípio da Apple:
Líderes devem saber os detalhes da sua área três níveis abaixo.
Saber os detalhes é necessário para que os níveis mais altos de gestão possam tomar decisões de forma rápida e assertiva. Sem o conhecimento dos detalhes, uma decisão errada pode ser tomada ou a decisão pode precisar ser adiada.
Detalhes dos produtos são debatidos entre os times em todos os níveis. E, com líderes especialistas, os problemas também podem ser detectados em qualquer nível. É mencionado no artigo que muitas pessoas consideram esse compartilhamento de detalhes estimulante. Já que, ao apresentar o seu trabalho para especialistas, é muito provável que se receba feedbacks e orientações de qualidade.
Mesmo concordando que o ponto anterior é muito importante para a imersão nos detalhes, vejo que se interessar de verdade no que está sendo construído pelo time pode fazer mais diferença do que só entender no detalhe o que o time está fazendo. No meu entendimento, a Apple tem uma estrutura em que qualquer nível de gestão sabe dizer no que o time está trabalhando no momento porque existe o interesse em atingir objetivos juntos. E isso é muito difícil de fazer quando existe uma desorganização na estrutura ou muito microgerenciamento, já que ser monitorado é diferente de compartilhar os avanços e desafios. No longo prazo, é preciso encontrar um formato que sustente esse compartilhamento de informações sem que isso vire um fardo para o time.
Aqui eu fico na dúvida se realmente é algo fácil de ser implementado. Porque, por mais que eu me interesse no que o time está desenvolvendo e em como está sendo feito, eu também confio que as pessoas estão buscando as melhores soluções. E confio que, caso elas não consigam encontrar as respostas sozinhas, elas irão em busca de ajuda. Entendo que não é apenas a gestão que precisa entrar nos detalhes, o time também precisa saber como dar visibilidade desses detalhes de forma clara e transparente.
Disposição para o debate colaborativo
De todas as três características apresentadas, essa é a que mais fornece a resposta que eu queria saber. O artigo exemplifica um novo sistema de câmeras, que envolveu pelo menos 40 times entre toda a empresa. E, para que esse desenvolvimento funcionasse entre tantas áreas, a Apple usou o debate colaborativo.
A estrutura de gestão é altamente colaborativa e isso só é possível por também ser altamente especializada. Se ater aos valores e propósito da empresa também ajuda na tomada de decisão e nas mudanças de opinião durante os debates. Como mencionei anteriormente, a Apple está organizada de forma que a entrega final para o cliente é o importante, não somente a entrega de uma área específica.
Ainda no exemplo da câmera, é mencionado que uma ideia foi abraçada porque estava alinhada com o propósito do time. Assim como comentei no texto sobre OKRs, ter um direcional claro permite que as pessoas se sintam seguras ao falar que vamos dedicar tempo a alguma demanda ou não.
Me chamou a atenção a menção a um padrão rigoroso de engenharia, que impediu o lançamento de uma funcionalidade. Ao que parece, além de especializado, o time da Apple também é empoderado a ponto de sinalizar quando algo não está indo bem e é ouvido quando levanta esse tipo de questão. Nesse exemplo, o desenvolvimento só seguiu adiante quando o time de engenharia se reuniu com outros times e entendeu o que seria o padrão de qualidade esperado para a entrega.
Também me chamou a atenção o tempo que uma funcionalidade leva para ser desenvolvida. Com tantos exemplos sobre como devemos entregar rápido, ver um trabalho que levou meses para ser aperfeiçoado antes de ser lançado é surpreendente em certos contextos. E eu entendo que a funcionalidade descrita já existia fora dos celulares e era algo sendo adaptado. Mas será que consideramos o suficiente o tempo necessário para lançar algo de qualidade? Deixamos espaço para debates e contribuições acontecerem ou tentamos fazer tudo de forma rápida porque sabemos que teremos tempo para ajustes depois? O quanto o cliente é penalizado por isso?
Por mais que a Apple faça vários lançamentos, saber que existem entregas que são postergadas para o ano seguinte porque ainda não atingiram a qualidade esperada me mostra que o debate colaborativo mantém o cliente em mente. Desviar de metas para focar em valor tem o seu preço, mas o exemplo da Apple mostra que também tem um ganho gigantesco.
Outro ponto importante do debate colaborativo é a cultura. Imagino que esses debates ocorram de forma saudável em ambientes que, mesmo em discordância, não deixam de considerar nenhuma opinião. Talvez exista uma dificuldade em envolver os desenvolvedores nas discussões, principalmente porque alguns entendem que a sua função se limita a construção e podem deixar as decisões para a liderança especializada. E aqui eu estou só especulando, porque o artigo não entra nesse nível de detalhe. Mas ter um time em que todos se sintam à vontade para debater, concordar e discordar sempre traz muitos resultados positivos. Só que essa é uma cultura que, mesmo consolidada, precisa ser mantida e fomentada para todas as pessoas que chegam no time.
Este tópico no artigo também fala sobre o termo responsabilidade sem controle:
Responsabilidade sem controle: você é responsável pelo sucesso do projeto, mesmo que você não controle todos os outros times envolvidos.
Mais uma vez, um conceito que só funciona se todas as pessoas estão trabalhando com o mesmo objetivo em mente e com um bom nível de alinhamento. Imagino que uma entrega com um responsável e 40 times envolvidos exige um nível de coordenação que não estamos acostumados a lidar no dia a dia.
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O artigo finaliza com uma resposta mais direta: o segredo da Apple está em deixar quem tem a expertise e o conhecimento tomar as decisões. Por isso, a colaboração está no centro do funcionamento, aparentemente, exemplar da companhia. Pensando de forma simplista, é possível que qualquer empresa trabalhe nesse formato. Mas alguns aspectos culturais podem impedir que esse modelo funcione em todos os lugares.
Acredito que é muito efetivo analisar esses exemplos e confrontar com o conhecimento que temos no momento. Assim como aplicar as boas práticas no lugar em que trabalhamos. Mesmo que só seja possível aplicar essas mudanças em uma escala menor. São boas práticas sobre confiança, organização e compromisso que eu acredito que podem ser replicadas em qualquer time.
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Para não deixar essa edição maior ainda, vou deixar para falar do modelo de liderança discricionária, presente no mesmo artigo, na próxima edição.
🪴 Organização pessoal: O custo da preguiça
Seção para reforçar o meu compromisso de manter a minha própria organização.
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Você já passou por alguma situação em que tentou tomar um atalho e acabou se arrependendo? Por exemplo, sair do quarto com vários objetos na mão de uma vez para fazer só uma ida para a sala e acabar quebrando o celular. Ou ficar com preguiça de ir no médico e quando decide ir descobre que está com algo não tão grave, mas que poderia dar muito menos trabalho para tratar se descoberto num exame de rotina. Eu chamo isso de custo da preguiça.
Geralmente me lembro desse tipo de situação quando estou prestes a fazer algo de forma distraída ou só querendo me livrar da tarefa. Um estalo na minha cabeça sempre me pergunta: "Se o que você vai fazer agora der errado, vai ser mais ou menos trabalhoso do que ter feito certo?". E, na grande maioria das vezes, a resposta é que vai ser bem mais trabalhoso.
O exemplo do celular foi real. Ao levar vários objetos para a sala de uma vez só, a atenção necessária para segurar o celular corretamente simplesmente deixou de existir e uma queda quebrou a tela. Como resultado, uma visita à assistência técnica num dia de chuva deixou muito claro que uma ida a mais para o quarto seria muito menos trabalhosa e mais econômica.
Eu não sei se estou trazendo um assunto pouco conhecido ou se todo mundo já pensa nisso. Mas, para mim, é algo muito recorrente. Lembrar do custo da preguiça sempre me ajuda a evitar problemas desnecessários e a economizar.
Caso você não conheça, espero que considerar esse custo te ajude a viver melhor.
📄 Notas quinzenais
Uma curadoria sobre tudo o que chamou a atenção nos últimos dias. Por William Brendaw.
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Prêmio fotográfico do Censo 2022
O nosso país é maravilhoso, bonito e diverso. Do melhor jeito possível. E esse prêmio fotográfico ajuda a gente a ver e premiar quem teve a honrosa tarefa de ir até os rincões mais distantes desse país para nos trazer uma completa fotografia nossa, com dados e fotos.
A votação vai até o dia 21 de Julho.
O fim do sonho do Vale do Silício
Aparentemente, o poço de dinheiro dos investidores de risco terminou. E com ele, está acabando o sonho do startupeiro médio. Quem diria que essa coisa de jogar um caminhão de dinheiro numa ideia e só depois ver se isso se pagaria daria errado, né?
Conteúdo em inglês.
Os mapas distorcem como vemos o mundo
Tudo o que vivemos é uma grande farsa. Ou melhor, tudo sempre tem um toque de distorção, como nos mapas utilizados pelo mundo todo. Isso é mostrado de forma bem interessante pelas animações e infográficos da página acima.
Conteúdo em inglês.
📚 Lista de leitura
Registro de todos os livros que li desde o último envio da newsletter. A lista completa de livros que prometi ler esse ano pode ser vista no post Lista de leitura 2023.
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A menina na torre - Katherine Arden
Esse livro é a continuação de "O urso e o rouxinol". E, assim como no primeiro livro, acompanhamos uma história que se desenrola no mundo das fábulas russas. Os acontecimentos são bem mais violentos, mas muita coisa evolui nessa parte da trilogia. Assim que terminei ele já iniciei o "O inverno da bruxa", porque eu preciso saber o final dessa história.
Foi o primeiro livro que li no BibliOn e curti as opções de personalização de leitura no aplicativo.
💻 Últimos posts do blog
Seção onde envio as atualizações do blog, sempre no estilo slow blogging.
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Liderança e gestão
Sobre gestão - Rituais de gestão - Parte 1
Post com uma introdução sobre os rituais de gestão. Na minha experiência, ter um gestor que não se preocupa com os rituais sempre é prejudicial. Principalmente quando não valorizam o 1:1. Vou falar mais dos rituais em especifico no post seguinte, mas esse tem a base para entender a importância e como se organizar.
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Newsletter
Post com o compilado de todos os textos enviados na seção "Aprendizado contínuo" e que são relacionados com o curso "Aprendendo a aprender". Complementei com mais algumas dicas que acabaram não entrando na newsletter e acredito que é uma boa fonte para quem tem interesse no conteúdo do curso mas está sem tempo para assistir todos os vídeos.
Espero que a análise que trouxe sobre a gestão e liderança na Apple tenha sido interessante. Como comentei, fique à vontade para mandar feedbacks e sugestões de bons exemplos de gestão e organização.
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Por hoje é isso, boa quinzena!